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Venture capital

Investidor de risco avesso a risco – Porque investidores de startups no Brasil parecem não querer se arriscar

By 6 de novembro de 2017novembro 6th, 2019No Comments

É muito comum ouvirmos empreendedores reclamarem que investidores brasileiros não estão dispostos a tomar riscos. Acham um absurdo esses profissionais terem como pré-requisito de suas teses de investimento a geração de receita ou até mesmo o atingimento do ponto de equilíbrio financeiro.

Como se fosse fácil captar após essas conquistas.

Na prática, mesmo empresas já com algum faturamento, e até no ponto de equilíbrio, têm muita dificuldade para captar recursos no Brasil.

Assim sendo, uma das minhas missões nesse blog é ajudar empreendedores a se colocarem no lugar dos investidores. Sem essa empatia nosso ecossistema não evolui, e as chances de um empreendedor captar diminuem. Por isso, quero ajudar empreendedores a entenderem esse paradigma que vivemos hoje no Brasil, ajudando-os a calçar os sapatos dos investidores.

A primeira questão que deve ser esclarecida nesse caso é definir objetivamente qual o risco que um investidor em startups realmente está tomando.

Naturalmente os riscos mudam de estágio para estágio. Mas de forma genérica o risco comum a qualquer estágio é o da não criação de valor.

Lógico! Qualquer investidor precisa comprar uma empresa por X e vender por 10X. Criar valor, essa é a missão. Sendo assim, em primeiro lugar, você deve convencer um investidor que está apresentando uma oportunidade real de criação de valor, e que todo e qualquer centavo investido por ele estará empenhado nessa missão.

Feito isso, seu investimento está garantido!

Errado!

Passado esse filtro, você estará competindo com centenas de outros empreendedores, tão bons ou até melhores que você, que também têm uma excelente oportunidade de criação de valor e que usarão o dinheiro investido para crescer a empresa.

Esse é o primeiro choque de realidade que gostaria de provocar e que sustenta o primeiro argumento sobre o paradigma que vivemos no Brasil.

1. Pouca oferta e muita demanda por capital

Uma regra básica é que a escassez aumenta a seletividade do tomador de decisão. Se o investidor tem algumas opções de investimento, todas com alto potencial de crescimento, qual ele escolheria? Uma empresa que consegue se sustentar financeiramente ou uma que sempre precisará de mais capital para crescer?

Infelizmente, a disponibilidade de capital e a quantidade de investidores de startups são muito pequenas no Brasil. Existem poucos gestores experientes, e os casos de sucesso são raros.

Investir numa empresa que, em pouco tempo, obrigatoriamente, precisaria de mais capital, é praticamente um salto de fé. Pelo menos no Brasil. Um tiro no escuro. Não dá para ter certeza que existirá alguém disposto a acreditar no negócio no futuro, nem nos EUA, muito menos por aqui.

2. Falta capacidade de execução

A realidade é que a grande maioria (+90%) dos empreendedores brasileiros nunca construiu uma empresa de alto crescimento.

E, para falar a verdade, nem os próprios investidores fizeram o que eles exigem que os empreendedores façam.

Todos estão aprendendo a jogar o jogo. É como aprender a andar de bicicleta, precisamos primeiro andar com as rodinhas de apoio para depois tirá-las e, então, encarar desafios mais arriscados, nunca o contrário.

O ponto de equilíbrio, ou a possibilidade de atingi-lo, funciona como a rodinha da bicicleta. É uma fase que todos temos que passar.

Portanto, além de dominar a sustentabilidade financeira, as startups precisam crescer. Rápido!

A missão mais difícil não é chegar ao ponto de equilíbrio, mas crescer exponencialmente ano após ano.

O venture capital clássico nos EUA mira retornos extraordinários quando se trata das empresas investidas. O ideal é que cada uma delas tenha potencial de pagar um fundo de investimento inteiro. O retorno-alvo por empresa vai depender da quantidade de empresas investidas, do ticket médio e dos eventuais tranches de follow-on. O benchmark é o famoso “10 in 5”, ou seja, retorno de dez vezes em cinco anos – praticamente 58% ao ano.

Realizei algumas simulações em artigos anteriores e em alguns casos as empresas precisam dar retornos astronômicos para a conta fechar para o investidor: 15, 20 e até mais de 30 vezes o capital investido dependendo da situação.

Não é qualquer um que consegue entregar esse tipo de crescimento. Se você já empreendeu e realizou algo desse nível, ótimo, vai ter mais facilidade. Mas se você nunca gerenciou uma empresa de alto crescimento ou até mesmo nunca empreendeu, vai precisar se esforçar mais.

3. Não é tão seguro assim quanto parece

Pedir para investidores assumirem riscos é algo muito confortável. O dinheiro não é seu, não é mesmo?

Usar um “Não” de muleta para uma oportunidade mal formatada ou mal apresentada também é uma armadilha. O empreendedor só conseguirá a atenção de outros empreendedores frustrados.

Sendo bem objetivo, se a oportunidade é tão boa assim, por que os sócios, que dizem ter controle sobre os riscos do negócio, não investem seus recursos próprios? Por que não vendem seus carros, casas e bens?

Por que bancos comerciais não emprestam dinheiro para startups nessa condição?

A resposta é simples: porque os riscos não estão mapeados e controlados como parecem estar.

E é muito difícil para o empreendedor admitir isso.

Se o próprio empreendedor não o faz, por que um investidor deveria fazê-lo com o seu próprio capital? Ou pior, com o capital de outros investidores?

Nunca trate um investidor como se o fato de ele tomar riscos fosse algo compulsório. Ninguém obriga ninguém a tomar riscos que não quer, você o convence.

Nos EUA os investidores estão mais confortáveis com o risco. Primeiro porque esse mercado é muito mais antigo lá do que aqui (estamos uns 50 anos atrás). E segundo porque o risco pode ser mais calculado e controlado lá. Aqui vivemos em uma selva com empreendedores inexperientes, riscos políticos, econômicos e regulatórios, corrupção, etc.

A régua de risco aqui é muito diferente. Ao contrário do que pensam alguns empreendedores, não vejo hipocrisia no comportamento de investidores avessos a riscos, é um começo. Temos que incentivar e educar os investidores. Começando com a apresentação de projetos inovadores com um mínimo de consistência.

4. O dinheiro é muito caro no Brasil

Historicamente, mesmo considerando as oscilações na taxa básica de juros da economia, o investidor brasileiro tem ganhado, em média, de 5% a 6% de retorno real em aplicações de baixo risco. Ou seja, considerando o histórico da taxa Selic descontada a inflação. Essa é a base do custo de oportunidade no Brasil.

Isso significa duas coisas:

  • Qualquer oportunidade de investimento está concorrendo com títulos de renda fixa, que chegaram a pagar 1% ao mês nos últimos 10 anos. Sendo assim, é comum encontrarmos rentistas que acumulam certa quantia de capital e podem se considerar “aposentados”. Sem dor de cabeça com validação de modelagem de negócios, contratações, escalabilidade e churn.
  • Pegar dinheiro emprestado é muito caro. Os bancos por aqui cobram spreads expressivos para pequenas e médias empresas porque preferem – e com razão – emprestar para o governo, ou para grandes empresas.

Mesmo considerando a taxa de juros nominal atual (tabela comparativa abaixo), o custo do capital no Brasil é muito maior do que em outros países. Lembrando que há 12 meses estava o dobro da atual e que a média dos últimos 10 anos foi de 11%.

investidor de risco: tabela de juros

Taxas de Juros Nominal: Alerta para Investidor de Risco

É muito importante entender que, além do custo do capital, o investidor inclui na sua conta um prêmio de risco e outro prêmio de liquidez. Esses dois componentes, apesar de subjetivos, são parâmetros que diminuem ainda mais a atratividade de investir em startups no Brasil.

Sendo assim, a taxa interna de retorno esperada do investidor de risco brasileiro é altíssima. Se juntarmos a isso à falta de experiência dos atores do mercado de dimensionar risco e gerar liquidez, o cenário fica ainda mais complicado. Investidores de startups por aqui deveriam ser considerados verdadeiros heróis.

5. Venture capital é uma forma cara de investimento

Em primeiro lugar, é preciso relembrar que o venture capital é um jogo de portfólio. De todas as empresas investidas por um investidor de risco ou fundo de investimento, muitas andam de lado e não dão o retorno esperado. Sendo assim, o investidor precisa que as poucas empresas que dão certo cresçam muito, e muito rápido.

O gestor de venture capital precisa enxergar em todas as empresas investidas o potencial de gerar retornos na ordem de 10 vezes o capital investido.

Em segundo lugar, os custos para captar, formalizar e operar um fundo de investimento de venture capital são muito altos. Órgãos reguladores, taxas de administração, contadores e advogados especialistas, impostos, auditorias. Tudo isso somado, em média, representa 20% de todo o capital comprometido pelos investidores. Mas esse não é um privilégio só do Brasil, esse é o padrão em qualquer lugar do mundo.

A conclusão é: os casos de sucesso precisam não só pagar os casos de fracasso, mas os custos de operação de um fundo de venture capital. Reduzir riscos financeiros das empresas investidas é uma questão de sobrevivência.

6. Investidores estão arriscando o dinheiro de outros investidores

Como citei anteriormente, alguns dos investidores de venture capital do mercado, os gestores de fundos, trabalham com o capital de terceiros. É uma responsabilidade imensa você conquistar a confiança de pessoas e empresas, pegar o dinheiro delas com a promessa de devolver anos depois com algum retorno. Dar errado significa influenciar nas finanças da vida de muitas pessoas, e dependendo do quão errado os planos terminem, sair do jogo do venture capital.

Gastar o seu próprio dinheiro é fácil, você não precisa prestar contas a ninguém. Gastar o dos outros é uma história completamente diferente. Ou você faz o trabalho bem feito, ou está fora. Nesse contexto, fica um pouco mais fácil imaginar porque investidores acabam colocando uma barra de exigências tão alta.

Considerações finais

Mas não devemos desanimar, essa é uma fase que temos que passar. Estamos quase tirando nossas rodinhas de apoio. Aos poucos aparecem mais casos de sucesso, mais capital será aplicado em negócios com cada vez mais riscos. Inovações disruptivas poderão surgir no Brasil e serem financiadas por investidores locais. Tudo no seu tempo. Temos que ter calma e apoiar qualquer um que queira investir em empresas nascentes ou emergentes de alto crescimento.

Por fim, quero deixar uma provocação.

Empreender é investir boa parte do seu tempo para um projeto que terá impacto em muitas vidas além da sua. Além dos seus sócios e colaboradores, seus investidores, clientes, fornecedores e principalmente da sua família. A saúde financeira de todos está em jogo, mas não só ela, a saúde física, mental e emocional também. Não arrisque o que você não pode perder. Pense bem antes de ignorar a independência financeira da sua empresa, principalmente no Brasil. Se você é brasileiro sabe do que eu estou falando.

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