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Venture capital

Qual deveria ser o retorno mínimo de fundos de venture capital no Brasil?

Por 19 de setembro de 2017novembro 5th, 2019No Comments

Em maio desse ano, escrevi sobre a dinâmica de funcionamento de um fundo de venture capital. Nele expliquei como os recursos são aportados pelos investidores – através das chamadas de capital. Em seguida, fiz uma simulação para estimar quanto cada investimento deveria ser multiplicado para um fundo fictício alcançar seu retorno mínimo.

Utilizarei aquele mesmo fundo para responder à pergunta de qual deveria ser o retorno mínimo de fundos de venture capital no Brasil. Lembrando que o exemplo era um fundo de capital semente de R$ 30 milhões, com duração de 10 anos e investimentos em oito empresas.

Sabemos que em um mercado de alto risco como o venture capital, ainda mais no Brasil, seria uma irresponsabilidade muito grande de um gestor de fundo se comprometer com algum retorno mínimo. E esse é geralmente o discurso que se ouve no mercado. Entretanto, gestores profissionais devem construir uma tese que inclua um retorno-alvo a ser perseguido.

Antes de explicar a minha tese sobre esse assunto, temos que entender a dinâmica de incentivos do mercado de venture capital.

O que querem os investidores dos fundos de venture capital?

Todos os investidores de fundos de venture capital, sejam pessoas, empresas ou instituições, são donos ou administradores de grandes fortunas. A maioria diversifica seus investimentos em termos de risco, liquidez e retorno. O venture capital é uma dessas alternativas e possui um perfil de alto risco e baixa liquidez. Consequentemente deveria entregar alto retorno. Expressivamente mais alto que o tradicional mercado de renda fixa, por exemplo. Geralmente as taxas de retorno da economia brasileira são comparadas e balizadas pela famosa taxa SELIC.

O que querem os gestores dos fundos de venture capital?

Esses profissionais, confiantes de que conseguem entregar o retorno almejado, desejam, além de uma remuneração fixa para custear salários e despesas correntes, uma remuneração de acordo com a performance do fundo. O fundo tem maior probabilidade de dar certo quando o gestor está mais motivado com a taxa de performance do que com a taxa de administração. Isso alinha interesses e garante que todos trabalhem juntos para fazer as empresas darem certo e multiplicarem seus valores de mercado.

O acordo entre investidores e gestores é formalizado no regulamento do fundo. Para exemplificar essa dinâmica e introduzir os parâmetros envolvidos nessa questão, trago o trecho do regulamento de um de nossos fundos sobre o cálculo da taxa de performance.

retorno mínimo

Não vamos entrar no detalhe da fórmula, mas para quem quiser se aprofundar mais no assunto pode consultar os regulamentos dos fundos brasileiros registrados na CVM no próprio site da instituição. Mas, em resumo, significa dizer que o gestor do fundo ficará com 20% de todo o retorno acima do indexador escolhido mais 6%. Independente do veículo de investimento escolhido, a lógica sempre será muito parecida com essa.

Temos, portanto, três variáveis: (i) Indexador, (ii) Custo de oportunidade e (iii) Taxa de performance.

i. Indexador

Ao analisar os regulamentos disponíveis na CVM chegamos à conclusão de que mais de 70% dos fundos utilizam o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), do IBGE, como indexador para cálculo da taxa de performance.

De acordo com o IBGE, o IPCA médio no Brasil nos últimos 10 anos, ou seja, de setembro de 2007 até agosto de 2017, foi de 6,08% ao ano.

ii. Custo de oportunidade

Utilizando a mesma amostra de fundos regulados pela CVM, descobrimos que a média de custo de oportunidade dos fundos no Brasil é de 8,24% ao ano.

retorno mínimo

iii. Taxa de performance

Apesar da taxa de performance mais frequente para fundos no Brasil ficar em 20%, a média desse parâmetro fica em 22%.

retorno mínimo

Pronto, agora temos conhecimento de todas as variáveis do processo e de seus valores médios e mais praticados no mercado. Já podemos calcular a remuneração por performance do nosso fundo fictício.

Uma forma mais objetiva de explicar esses números é dizer que, para qualquer retorno abaixo de 14,32% (6,08% + 8,24%) ao ano, o investidor não está disposto a pagar nenhuma remuneração por resultado para o gestor. Para todo retorno acima disso, pagaria 22% aos responsáveis pelo sucesso dos investimentos.

Minha tese é de que, para essa indústria funcionar, todos devem ficar satisfeitos com o resultado. Portanto, o retorno do nosso fundo deve ficar bem acima dos 14,32% ao ano, caso contrário o gestor estará fora do jogo. Seja porque o investidor não gostou do resultado e não gostou do retorno que obteve pelo alto risco que correu, seja porque o gestor não teve motivação suficiente para continuar no mercado recebendo remunerações insuficientes.

Mas quanto é suficiente?

Para responder a essa pergunta escolhi um valor de referência de mercado, bem aceito, que pudesse servir de balizamento e de unidade de medida para a nossa simulação: a taxa de retorno real do ativo com menor nível de risco da nossa economia, nossa quarta variável.

iv. Referência de baixo risco

A taxa SELIC é, sem dúvida, a taxa mais utilizada por investidores e economistas brasileiros para balizar suas análises. É considerada a nossa taxa básica da economia, ou a remuneração do ativo de mais baixo risco da economia: título da dívida pública.

De acordo com o Banco Central e sites especializados no tema, a SELIC média no Brasil nos últimos 10 anos, ou seja, de setembro de 2007 até agosto de 2017 foi de 11,09% ao ano.

Sendo assim, a taxa real da SELIC foi 11,09% menos a inflação no mesmo período, 6,08%, chegando a um valor de 5,00% ao ano, considerando os arredondamentos.

Para facilitar o entendimento, lembrem-se daquele dito popular: “Você vai pagar com juros e correção monetária”. A correção monetária é a inflação e o juros, o retorno real.

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Fazendo as contas

Nosso próximo passo é definir qual o retorno, em proporção da taxa de retorno real, um fundo teria que entregar para satisfazer tanto os investidores quanto os gestores. Para isso, vamos definir alguns níveis de retorno proporcionais à taxa de retorno real:

Inflação + 0x Taxa de retorno real: 6,08% + 0 x (5,00%) = 6,08%

Inflação + 1x Taxa de retorno real: 6,08% + 1 x (5,00%) = 11,09% (igual a SELIC)

Inflação + 2x Taxa de retorno real: 6,08% + 2 x (5,00%) = 16,09%

Inflação + 3x Taxa de retorno real: 6,08% + 3 x (5,00%) = 21,09%

Inflação + 4x Taxa de retorno real: 6,08% + 4 x (5,00%) = 26,10%

Inflação + 5x Taxa de retorno real: 6,08% + 4 x (5,00%) = 31,10%

Percebe-se que o gatilho para o início do pagamento da taxa de performance, 14,32%, está mais próximo do terceiro nível de retorno, 16,09%, ou seja, inflação mais duas vezes a taxa de retorno real. O que tem muita lógica. Nenhum investidor pagaria nada abaixo da SELIC, que é uma taxa de retorno com baixíssimo risco.

A mensagem é clara: para investir em startups, pague no mínimo duas vezes o retorno real da taxa de menor risco da economia, corrigida pela inflação. A partir daí que o jogo começa.

Mas qual nível de retorno seria satisfatório para o gestor do fundo?

Para responder a essa pergunta vamos calcular o quanto o gestor do fundo pode ganhar em cada um desses níveis de retorno. Mas, antes de calcular esses números, quero apresentar outro conceito de retorno de fundos de venture capital, muito utilizado nos EUA.

Abordagem Cash-on-Cash Return

Vocês já devem imaginar que a literatura sobre esse tipo de assunto é escassa no Brasil, para não dizer inexistente. Já em inglês é possível encontrar muitas fontes de informação. Uma das principais métricas que você vai encontrar é o chamado cash-on-cash return.

Como sempre, a intenção do norte-americano é simplificar as contas, as comparações e a comunicação em torno do tema. Essa métrica nada mais representa do que o quanto, do montante originalmente captado pelos gestores e comprometido pelos investidores, é retornado pela venda das ações das empresas investidas.

Se estamos nos referindo a um fundo de R$ 30 milhões, que retorna R$ 60 milhões, o seu múltiplo de retorno bruto, ou cash-on-cash return, é de 2x.

Para quem não entende a mecânica de um fundo de venture capital pode parecer que o retorno do exemplo foi de 100% em 10 anos e cometer o erro de anualizar esse retorno para 7,2% ao ano, o que não é verdade.

Graças à dinâmica das chamadas de capital, que vão até o final do fundo, e das vendas das empresas que ocorrem bem antes do prazo final do fundo, o fluxo de caixa do venture capital possui um perfil que acaba entregando bem mais de 7,2% ao ano, mesmo multiplicando seu valor por dois. Para entender melhor esse perfil vale a pena conferir o artigo que cito lá no início sobre a estratégia de portfólio de fundos de venture capital.

Na tabela abaixo, utilizando o nosso fundo fictício de R$ 30 milhões, apresento o resultado do cálculo do retorno bruto para cada um dos níveis de retorno definidos na seção anterior.

retorno mínimo

Nesse contexto, o que seria uma taxa de retorno bruta interessante?

Como eu disse, é possível encontrar muitas fontes de informação sobre o tema, mas existe um valor de referência que parece ser unanimidade. Nesse artigo do TechCrunch e nesse outro publicado no Medium, os autores são categóricos: um fundo de venture capital precisa entregar no mínimo três vezes o seu capital para ser considerado um bom investimento.

Apesar da meta ser um consenso, poucos conseguem atingi-la. No próprio artigo do TechCrunch estima-se que apenas 5% dos fundos conseguem essa marca. Vida dura!

Na tabela a seguir, seguem os retornos dos primeiros fundos dos dois gestores mais proeminentes do Vale do Silício, Kleiner Perkins Caufield & Byers e Sequoia Capital.

retorno mínimo

Embora alguns fundos apresentem retornos abaixo dos 3x, a maioria entregou mais, e alguns tiveram retornos extraordinários como o sétimo fundo da Kleiner Perkins, o KPCB VII, que devolveu nada menos que 32 vezes o capital investido.

Retorno satisfatório para o gestor

Agora chegou o momento de definir qual seria o parâmetro de sucesso para a remuneração por performance do gestor.

A melhor variável que encontrei para determinar o que seria satisfatório para o gestor do fundo foi a própria taxa de administração.

O gestor ficaria satisfeito se no final do fundo, depois de trabalhar e se arriscar muito, ele recebesse 10% de toda a taxa de administração do período do fundo?

Definitivamente não!

Geralmente, ao contrário do que muitos pensam, a vida de um gestor não é fácil. Os salários são muito menores do que o mercado pagaria em funções que exigissem os mesmos níveis de competência e experiência. Portanto o prêmio deve ser grande. Assim alinham-se os interesses, como disse anteriormente.

Desta forma, não acredito que um gestor deva se satisfazer com uma remuneração por performance menor do que uma vez tudo o que recebeu em taxas de administração no período do fundo.

Na tabela a baixo, utilizando nosso fundo fictício, apresento quanto o gestor ganha de taxa de performance em relação ao tamanho do fundo e à taxa de administração em cada um dos níveis de retorno que definimos.

retorno mínimo

Mais uma vez o benchmark do mercado se mostra coerente. É apenas no quinto nível de retorno, 26,1%, com a inflação mais quatro vezes o retorno real, que o fundo atinge um retorno bruto de 3x e a sua taxa de performance passa de 100% do total recebido em taxa de administração. Portanto, a conclusão é que a taxa de retorno mínimo de um fundo de venture capital, no Brasil deve ser de no mínimo 26,1% ao ano.

Os números podem apresentar uma variação dependendo de quando acontecem cada um dos investimentos e cada uma das vendas de empresas. Se os maiores investimentos estiverem concentrados na metade do prazo do fundo e as maiores vendas acontecerem rapidamente, o resultado será melhor. Se acontecer o contrário, os maiores investimentos acontecerem no início e as maiores vendas no final do fundo, o resultado pode não ser tão bom e mesmo um retorno bruto de 3x pode não garantir o prêmio mínimo aceitável.

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Análise da dispersão de retornos

Antes de finalizar o artigo, gostaria de fazer um adendo em relação à dispersão do retorno das empresas. No modelo utilizado para a simulação, os valores de venda de todas as empresas eram idênticos. Mas sabemos que a realidade não funciona dessa forma.

Sendo assim, adicionei uma simulação com mais duas variações de dispersão do retorno. Além do modelo inicial com 0% de diferença entre as vendas, incluí um com 50% de diferença, no qual o valor de venda da segunda empresa era 50% maior do que a primeira e assim por diante. E um modelo com 100% de diferença, no qual o valor de venda das empresas era sempre o dobro do valor da anterior.

Nesse último caso, o valor da última empresa era sempre maior ou igual à soma das vendas de todas as empresas anteriores. Da mesma forma, o valor da penúltima empresa era sempre maior ou igual à soma das vendas de todas as empresas anteriores.

E é exatamente que a grande maioria dos fundos de venture capital funciona.

As simulações deram origem à matriz a seguir. O eixo vertical esquerdo indica a dispersão do retorno das vendas, 0%, 50% ou 100%. O eixo horizontal superior representa a quantidade de empresas no portfólio que conseguiram ser vendidas.

retorno mínimo

Importante lembrar que em todos os nove casos o resultado do fundo foi de 26,1% ao ano.

Graficamente temos:

Venda de todas as empresas

retorno mínimo

A interpretação é simples. Para entregar o mesmo retorno de 26,1% ao ano, o gestor pode fazê-lo em qualquer uma das três variações.

a. Todas as oito empresas sendo multiplicadas por 4 vezes;

b. A primeira multiplicada por 0,8, a segunda por 1,2 (50% a mais do que a primeira), assim por diante até a última ser multiplicada por 14,0;

c. A primeira multiplicada por 0,17, a segunda por 0,35 (100% a mais do que a primeira), assim por diante até a última ser multiplicada por 22,2.

Venda de 75% das empresas

retorno mínimo

Venda de 50% das empresas

retorno mínimo

Venda de 25% das empresas

retorno mínimo

Apesar de toda abstração da modelagem financeira, esse exercício é muito importante, principalmente para gestores de fundos e empreendedores que buscam investimento desse tipo de fonte.

Tendo conhecimento da taxa de retorno mínimo de um fundo de investimento de venture capital, e sabendo que boa parte do portfólio não será vendida, olhamos para os gráficos a cima e começamos a ter uma noção muito melhor do quanto uma empresa deve ter o seu valor multiplicado para a indústria do venture capital permanecer viva e promissora.

O financiamento de empresas de alto crescimento, de inovação e de modelos de negócios escaláveis, só é possível com o entendimento dos desafios por todos os envolvidos.

Sejam bem-vindos ao meu blog!

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