Desde 2006, quando comecei a trabalhar com startups e empresas inovadoras, me deparo constantemente com situações recorrentes — que mais recentemente comecei a chamar de epidemias financeiras.
Toda empresa possui algum tipo de problema de ordem financeira. Seja falta de dinheiro, dívidas, inadimplência, custo do dinheiro, até o excesso de recursos (acreditem, isso também pode ser um problema). E o principal deles é a desorganização, a falta de controle.
No começo, no alto da minha soberba de estagiário, depois formado em engenharia, criticava a incompetência dos gestores e empreendedores nessa área.
“Como alguém ousa abrir uma empresa sem conhecer de finanças e contabilidade?”
Meu irmão, gerente de contas empresariais do Itaú, falava: “E não é só nas pequenas empresas, tem muita empresa média e até grande em que o financeiro é uma bagunça.”
E foi assim que julguei centenas, talvez milhares, de empreendedores nesses anos todos, achando que, de alguma forma, eu era melhor do que eles por conhecer o básico de finanças e contabilidade.
Mas o tempo passa, o mundo dá voltas e a realidade vem como um trem desgovernado e arrebenta qualquer suposição que você tenha de si mesmo, dos outros e de como as coisas funcionam.
Nesses anos vi muito empreendedor dar errado e alguns darem muito certo. Mesmo ignorando quase que completamente qualquer conhecimento em finanças empresariais.
conheça o curso de projeções financeirasDepois de alguns desses casos resolvi parar com meu julgamento e tentar analisar a situação com menos preconceito e mais humildade.
O fato é, sucesso e conhecimento em finanças não estão correlacionados.
Aceitar não foi fácil. Mas depois que incorporei isso em toda análise que fazia fiquei livre para encontrar os fenômenos reais que aconteciam no mundo do empreendedorismo.
Como uma doença forte e silenciosa, ela ataca o sistema imunológico e deixa entrar todo tipo de mal. Logo, o corpo está tomado não de uma doença que poderia ter um tratamento único, mas de várias outras epidemias e sintomas.
Vamos a elas:
1) Nome da doença: Delírio anarquista
Manifestação: Ignorar o governo completamente.
Todo mundo odeia pagar imposto e preencher mil formulários com as mesmas informações, mas impostos e burocracias são inevitáveis em toda sociedade civilizada.
2) Nome da doença: Insuficiência laboral
Manifestação: Contratar muito menos pessoas e recursos do que seria o mínimo necessário para administrar uma empresa.
Por não agregar valor ao cliente, a área administrativa e financeira é renegada e trabalha, na sua maioria das vezes com pouquíssimos recursos, tem pouco poder na empresa para pleitear mais e é sempre o alvo de corte de custos em épocas de crise.
3) Nome da doença: Overdose de estagiários
Manifestação: Acreditar que um bando de universitários vai entender de gestão, finanças, tributos, contabilidade, contratos, departamento pessoal, no 2º semestre de faculdade.
Mão de obra barata e eficiente todo mundo quer, mas não é uma questão só de quantidade, mas principalmente de qualidade.
4) Nome da doença: Hiperrelaxamento de responsabilidade
Manifestação: Negação e afastamento completo em relação a todo tipo de atividade braçal ou burocrática depois da contratação de algum profissional para o financeiro.
É muito comum as pessoas de uma pequena empresa entenderem que é função do financeiro as atividades que vão desde o planejamento financeiro até a limpeza do banheiro, passando pela retirada dos lixos, conserto do ar-condicionado, manutenção de computadores, agendamento do dentista e imposto de renda dos sócios. Numa grande empresa, muito provavelmente, você vai encontrar setores ou pessoas responsáveis por essas atividades, mas numa pequena empresa cada um poderia ajudar um pouquinho, certo?!
5) Nome da doença: Alergia a contadores
Manifestação: Sem nunca ter conhecido o trabalho de um contador, a dinâmica e a importância da sua função, empreendedores possuem um sentimento de raiva e repulsa inconsciente e inato por essa classe profissional.
Esse fenômeno está definitivamente no inconsciente coletivo de nossa sociedade. Ser empreendedor implica imediatamente em não gostar de contadores. A ponto de achar que eles são totalmente dispensáveis para a atividade empresarial. Essa doença, em estágios avançados, provoca alucinações perigosas.
conheça o curso de contabilidade básica6) Nome da doença: Ilusão da mágica invisível
Manifestação: Acreditar que está tudo sob controle só porque tem dinheiro na conta do banco.
O saldo da conta bancária não quer dizer nada para uma empresa. Representa apenas uma parte da situação patrimonial de uma empresa. Para analisar a saúde financeira de uma empresa deve-se olhar dívidas, provisionamentos, impostos, parcelamentos, recebíveis, inadimplência, devoluções, possíveis imprevistos e todos os outros eventuais compromissos. Além disso, fluxo de caixa positivo é bom, mas a governança pode estar péssima, o que afeta a cultural e a moral do time, os incentivos dos sócios, a velocidade de crescimento e os riscos assumidos. Coisas que podem fechar portas e desperdiçar oportunidades.
7) Nome da doença: Ataque agudo de ansiedade
Manifestação: Rompantes de raiva e indignação porque parece que nada está organizado, que os impostos estão atrasados e os números estão fora de controle, sendo que nunca deu valor a área financeira.
Quando o sujeito apresenta esse diagnóstico pode ser tarde demais. Pode ser quando um investidor batendo na porta exigindo uma organização e controle que não existem, por exemplo. Pode ser uma oportunidade de negócio com um grande cliente. Ou a própria venda da empresa para um terceiro.
receba nossos artigos no seu e-mailConclusão
Neste momento, você pode estar rindo, de tristeza por ter se identificado com uma dessas situações, ou de alegria por ter achado graça do texto. O fato é que com certeza já vivenciou alguma dessas situações ou teve alguns desses “sintomas”.
Não vejo problema nenhum em encarar essas situações com leveza. Muito pelo contrário. Mas você precisa se comprometer a não passar um dia sequer sem andar na direção oposta a esses problemas.
Você, seus sócios e sua equipe devem criar um plano de profissionalização do financeiro e executá-lo. Não importa que ele dure 6 meses ou 2 anos. O que realmente importa é o tema ganhar uma urgência diferenciada na cultura da empresa.
Se você não faz ideia de onde começar, vou sugerir iniciar lendo este outro artigo aqui da Escola do Financeiro intitulado “Assumi o financeiro da empresa e estou perdido”’.
Conte conosco. Boa sorte!
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