Gestão financeira para iniciantes
Você gosta de empurrar seu carro quando ele quebra?
Acho que ninguém gosta, certo?!
Agora, imagina você, ao invés de dirigir seu carro até o lugar aonde quer ir, ter que empurrá-lo todas as vezes até o destino simplesmente porque você não sabe dirigir o maldito carro.
Isso não faz o menor sentido, concorda?!
Pois bem, parece absurdo, mas é exatamente assim que a imensa maioria das empresas gerencia seu setor financeiro. Um misto de improviso, esforço desnecessário e excesso de tarefas. Provocando fadiga mental e física, com pouquíssimos resultados.
Eu quero te ajudar a evitar essa situação. Eu quero te ensinar a dirigir o carro e parar de empurrá-lo.
Como?
Bom, existem diversas formas de dirigir um carro. Cada pessoa que ensina tem um jeito, uma estratégia e um ritual diferente. Alguns preferem engatar a marcha antes de ligar o carro, outros depois. Uns colocam o banco para trás, outros mais para frente. Tem gente que prefere andar devagarzinho na pista da direita e não incomodar ninguém, enquanto os mais agitados ficam cortando o trânsito em toda oportunidade que aparece.
Porém, existem coisas que são idênticas. Todo carro tem motor, volante, seta, freio, acelerador. Nenhum carro anda sem combustível e sem uma marcha engatada. Todo motorista tem que respeitar as mesmas regras de trânsito e deve olhar para frente e para os lados.
O gerenciamento do financeiro de uma empresa também possui essas coisas básicas, que deveriam existir em toda organização. O problema é que não nos ensinam a identificá-las. Temos que aprender na marra, na prática, errando e acertando. E o pior, sem ajuda de ninguém.
Apesar de essa ser a realidade da maioria dos financeiros de micro e pequenas empresas, a verdade é que essa forma de aprender a gerenciar uma empresa é muito amadora, pouco eficiente e com altíssimo risco de algo dar errado. E muita coisa acaba saindo errada.
Sendo assim, acaba sendo meio natural que o primeiro passo para aprender a administrar uma empresa seja conhecer esses pontos comuns. Por isso, vamos dissecar os elementos fundamentais da gestão financeira de qualquer empresa.
São eles:
(i) Condições culturais e comportamentais;
(ii) Elementos estruturais;
(iii) Conexão com a realidade
Cada um desses pontos é composto por quatro fatores mais específicos. Num total de doze portanto. Todos são pré-requisitos fundamentais para você ser bem-sucedido nessa missão.
Condições culturais e comportamentais
1. Vontade
O primeiro pré-requisito indispensável é a vontade de fazer algo para melhorar.
Já fui contratado pela média gerência de algumas empresas para ajudar a organizar o financeiro diversas vezes. Geralmente não funciona muito bem. Se os sócios não querem ter um financeiro organizado não adianta nem começar.
A maioria desdenha a importância da área, diminui sua contribuição estratégica e acha que tudo é burocracia desnecessária.
Nesses casos, tenha uma conversa aberta com os tomadores de decisão, se não existir a vontade de organizar o financeiro, nem comece. Pule fora.
2. Dedicação
Logo depois da vontade vem a dedicação.
Outro grande problema que já enfrentei são sócios que até querem resolver os problemas financeiros de suas empresas, mas acham que tudo cai do céu. Nessas horas contratam um estagiário administrativo financeiro, uma pessoa meio período ou um prestador de serviço compartilhado com outras empresas para a função.
Na minha visão, para uma área financeira funcionar, a(s) pessoa(s) deve(m) ter dedicação integral e exclusiva. Só assim conseguimos o nível de entrega desejável para esse desafio.
3. Disciplina
O que dá consistência para a dedicação é a disciplina, o método.
Planejar, executar, avaliar e repetir o ciclo.
Se você não tem a disciplina de executar tarefas recorrentes no prazo certo ou cumprir processos pré-definidos, você não pode trabalhar no financeiro.
Para quem já é da área isso não é nenhuma dor de cabeça, mas para as pessoas que vem das áreas criativas, ou não estão acostumadas a seguir cronogramas e cumprir prazos, será um grande problema.
4. Ética
Finalizando a parte comportamental temos o respeito aos contratos. Sejam os explícitos em instrumentos jurídicos, seja os implícitos nas normas de respeito e convívio social.
Mapear as leis, normas de ordem jurídica, trabalhista, societária, fiscal e regulatória que se aplicam a sua empresa faz parte do jogo. Respeitá-las também.
É muito comum encontrar empreendedores que acham que as regras, por serem complexas e muitas vezes até absurdas, podem ser descumpridas.
O fato é: se elas existem para a sua empresa, existem também para as empresas vizinhas. Todos devem ser iguais perante a lei. Não importa quantas falcatruas você saiba que as pessoas fazem, não importa quantas pessoas façam a coisa errada. O certo nunca deixará de ser o certo.
Elementos estruturais
5. Pessoas
Naturalmente, pessoas competentes são fundamentais para qualquer organização. Mas, diferente do que a maioria pensa, o financeiro é uma área bem técnica. Assim como engenharia ou marketing. Você precisa de alguém que já tenha os conhecimentos básicos de contabilidade e finanças, ou, que se capacite.
conheça o curso de contabilidade básicaMuita atenção ao perfil da pessoa que vai ser responsável pelo financeiro. Ela deve ter todas as características citadas anteriormente e de preferência algum traço de liderança. Caso contrário você vai empacar com um recurso que ficará estagnado nas atividades operacionais.
Infelizmente, não é um perfil fácil de encontrar. Há quem diga que é um dos mais difíceis de achar. Tentar preencher essa lacuna do mercado é um dos objetivos da Escola do Financeiro.
6. Contador
Confesso que nunca vi uma pessoa que não é contadora realizar o trabalho de um contador.
Simplesmente não existe.
Portanto, toda empresa que quer ficar em dia com suas obrigações com o governo, precisa de um contador. Ponto final.
Contratar um contador que também seja responsável pelo financeiro da empresa é um luxo que poucas empresas têm. Geralmente esse profissional é muito diferenciado e consequentemente muito caro.
Portanto, é muito improvável que você consiga administrar bem uma empresa sem um bom contador.
Peça recomendações e avalie no mínimo três profissionais ou escritórios. O ideal é escolher um que tenha atitude de parceiro, não apenas de prestador de serviço, e que entenda do seu setor. Isso pode te economizar muito tempo e dinheiro.
7. Banco
A época que se recebia tudo em dinheiro e o pagamento dos funcionários era feito em envelope já foi há muito tempo. Com a digitalização do sistema financeiro ninguém pode fugir de um banco que tenha uma forte presença online.
As opções hoje são inúmeras. Desde ferramentas de cobrança, contas digitais, cartões de crédito, integrações com plataformas de vendas e produtos financeiros como a antecipações de recebíveis.
No começo você vai precisar de automações simples. À medida que o tempo vai passando, alguns serviços começam a serem mais úteis, e o perfil do banco que melhor atende a sua empresa muda. Vai chegar um momento que você vai precisar de um gerente que entenda o modelo de negócio da sua empresa e faça uma gestão ativa da sua conta. Vai ser tão ou mais útil do que o próprio contador.
Enquanto esse dia não chega, baixe nosso ebook sobre ferramentas de automação para backoffice e veja a grande variedade de bancos e serviços financeiros disponíveis no mercado.
8. Ferramentas / Sistemas
Por falar em ferramentas, esse é o último fator dos elementos estruturais que não pode faltar.
Talvez o seu modelo de negócios exija alguma ferramenta de automação só para começar a operar. O que já está virando regra nos dias de hoje. Nesse caso, você não pode deixar de usar algum software na sua empresa. Por isso, consulte nosso ebook, ele te ajudará muito.
Fora isso, a ferramenta mais comum da área financeira é o ERP – Enterprise Resource Planning. Mas, na verdade, as versões desse tipo de sistema para micro e pequenas empresas são chamados apenas de Sistema de Controle Financeiro.
Nele você vai sincronizar suas contas bancárias com as receitas e despesas da empresa, classificando-as em categorias ou centros de custo. Isso é o que chamamos de conciliação bancária.
No começo é muito comum as pessoas começarem com planilhas, mas em pouco tempo as versões dos arquivos se confundem, números são deletados sem ninguém saber como e os saldos começam a não bater. Se você não tem muita familiaridade com planilhas sugiro começar a usar algum sistema de controle, como o Conta Azul por exemplo.
Se você domina as planilhas, tudo bem, pode usá-las, desde que tenha cuidado e muita organização.
Um dos pontos positivos dos sistemas de controle é que eles garantem a segurança dos dados para você, e eles são auditáveis. Ou seja, como eles têm integração com o banco, qualquer um pode verificar toda e qualquer entrada e saída de dinheiro da empresa, classificadas no sistema.
Um passo mais adiante é controlar o orçamento através do sistema financeiro.
Mas vamos por partes.
Você precisa, antes de qualquer coisa, saber de onde vem e para onde vai o dinheiro da empresa. Isso é imprescindível. Sem isso, o resto é completamente inútil.
Dica quente 1: Quem nunca trabalhou no financeiro talvez não saiba, mas uma prática muito comum é criar um e-mail exclusivo da área, [email protected] por exemplo, para receber contas e comunicações relacionadas. Assim fica muito mais fácil concentrar tudo numa caixa de entrada só e não perder boletos ou guias para pagar.
Dica quente 2: Geralmente as empresas que desenvolvem e fornecem sistemas para micro e pequenas empresas possuem treinamentos e conteúdos sobre os desafios que ajudam a superar. E como muitas delas tem foco na gestão financeira, você pode aprender muito sobre isso levando a sério o processo de implementação que é oferecido.
Conexão com a realidade
Dos três grupos de elementos obrigatórios para a gestão financeira não existe um que seja mais importante do que os outros. Porém, os dois primeiros grupos são meio óbvios. Senso comum.
Você encontra facilmente algum coach prometendo mudar o teu comportamento ou uma fintech qualquer te empurrando um monte de conteúdo sobre contabilidade online e bancos digitais, só para te vender algum software que você nem sabe se precisa.
Mas preste atenção!! Esse terceiro grupo não é assim.
Esse terceiro grupo é tão importante quanto os outros, mas muito esquecido. E o nome que eu escolhi para ele tem tudo a ver com o que acontece quando se esquece desses fatores: uma completa desconexão da realidade.
Você já conheceu alguma empresa que o financeiro parecia um barco à deriva ou uma casa construída na areia?
A realidade é a âncora do profissionalismo. É a rocha sobre a qual devemos construir nossas fundações. Quanto mais sólida a fundação de uma casa, mais alta ela pode chegar.
9. Conhecimento técnico
Me surpreende a quantidade de pessoas que querem empreender, e empreendem, achando que não precisaram conhecer o mínimo de contabilidade básica e o conceito elementar do valor do dinheiro no tempo.
Ninguém consegue gerenciar bem uma empresa e fazê-la crescer sem entender, um pouco que seja, da linguagem universal de comunicação de informações financeiras empresariais. Porque é exatamente isso que a contabilidade é.
É a mesma coisa que você se mudar para um país e nunca aprender a língua local. Você sempre vai parecer, e se sentir, um extraterrestre. Ou, em outras palavras menos delicadas, um irresponsável.
Todos os sócios fundadores da empresa e, óbvio, quem for trabalhar no financeiro, devem ter esses conhecimentos básicos. E buscando sempre o aprimoramento.
Por mais que você não goste, esse é um ônus de empreender. No começo é difícil, mas, te garanto, no futuro valerá a pena.
10. Plano de contas
Nosso segundo fator tem a ver com a representação da realidade em palavras, subconjuntos e interdependências. O famoso modelo de negócio. A definição precisa do que sua empresa faz.
Como você descreve isso?
De que conjuntos (departamentos, pessoas, parceiros, clientes, estrutura etc.) ela é formada?
Como esses subconjuntos se relacionam entre si?
A partir dessa leitura da realidade e descrição do que efetivamente está acontecendo, ou deveria acontecer com a empresa, você se torna capaz de transformar os símbolos empresariais em símbolos numéricos. E constrói uma ponte chamada plano de contas.
conheça o curso de projeções financeirasPor mais simples que o conceito de plano de contas pareça, essa tradução envolve um aprofundamento técnico e uma organização dos elementos do modelo de negócio que são demasiadamente subestimados tanto por empreendedores quanto por profissionais do financeiro.
Um plano de contas deve traduzir o seu negócio em números.
Se você não sabe direito o que sua empresa faz, não sabe explicar para alguém, não investiu tempo suficiente para ordenar e agrupar entradas e saídas de caixa em receitas, custos, despesas e investimentos, a sua tentativa de representação da realidade, num relatório ou qualquer coisa parecida, não será nada além de isso, uma tentativa.
11. Gerenciamento do tempo/rotina
Talvez nós não possamos reivindicar o posto de área mais complexa, mas com certeza somos a área com a maior quantidade de processos diferentes dentro de uma empresa. Já escrevi sobre isso no artigo ‘O que faz o financeiro?’.
Por termos um volume e uma diversidade de processos muito grande para gerenciar, é extremamente importante, obrigatório eu diria, termos algum tipo de metodologia para gestão do tempo.
Tudo começa com o mapeamento e classificação das tarefas.
Geralmente elas fazem parte de três grupos.
(1) Atividades de rotina, por exemplo: obrigações fiscais, contábeis e trabalhistas, pagamentos, conciliação bancária, monitoramento do fluxo de caixa, admissões, demissões e agenda corporativa.
(2) Tarefas pontuais planejadas, exemplos: estudo de eficiência tributária, precificação de novos produtos, troca de sistema de controle financeiro e alterações no contrato social.
(3) Tarefas pontuais não planejadas: interrupções para tirar dúvidas, problemas administrativos, fiscalizações, correção de erros, estornos de pagamentos e cobrança de inadimplentes. Esse último podendo ser uma atividade de rotina dependendo da empresa.
O passo seguinte é organizar essas tarefas ao longo do tempo, garantindo que todas sejam feitas com qualidade e imparcialidade.
Algumas pessoas preferem usar calendários, outras usam ferramentas de gestão de projetos, de gestão de processos ou até listas simples. Mas o importante é não perder prazos e cumprir todas as obrigações e compromissos assumidos.
Essa organização vai diminuir muito a sensação de sempre ter uma lista infinita de ações para executar.
A gestão da rotina financeira torna essa lista finita e dimensionada de acordo com o tempo disponível. Além disso você conseguirá entender o quanto as rotinas e as interrupções demandam do seu tempo. Algo muito importante para pleitear novos recursos para a área e defender a criação e o respeito a processos.
12. Alguém para prestar contas
Nossa natureza humana sempre vem carregada com uma pitada de procrastinação. É muito comum sentirmos que estamos nos autossabotando.
As pessoas muito eficientes entendem isso e criam mecanismos para enganar nossos instintos mais preguiçosos.
Empreendedores experientes sabem que ter sócio aumenta sua probabilidade de sucesso. Não porque são mais braços para trabalhar, mas porque eles têm alguém para prestar contas.
É constrangedor você se comprometer com alguém e não cumprir o combinado. Esse constrangimento se transforma em combustível para executar o que era para ter sido feito. Por isso muita gente assume compromissos de mudanças pessoais em público. Para ter alguém que cobre e, depois, para mostrar os resultados.
Muitas vezes vejo a área financeira isolada. Assumindo compromissos quase secretos, que praticamente ninguém na empresa fica sabendo. A única expectativa é que a área financeira não dê problema. Ninguém quer saber o que acontece lá dentro.
Mas quando mesmo o processo mais insignificante da área sofre algum sobressalto, parece que todos os olhos se viram para nós, num tom reprovador e decepcionado.
Somos o goleiro do time. Nossa obrigação é não deixar as bolas passarem. Não somos artilheiros. Podemos evitar mil gols, mas quando uma mísera bola passa entre nossas mãos, questionam nossa competência. O atacante não, pode não fazer nada o jogo todo, mas basta um golpe de sorte para ser ovacionado.
Exatamente por isso devemos dar visibilidade as nossas ações e assumir compromissos com outras pessoas sobre o que pretendemos realizar.
O ideal é que esse compromisso seja assumido com os sócios da empresa ou o conselho de administração. Ou seja, quem indicará o norte e definirá a mudança de rumo.
Mas, na falta de interesse, tempo ou até conhecimento técnico dessas pessoas, usem a própria equipe da área financeira para assumirem compromissos uns com os outros. Evitem ao máximo o isolamento, isso dará mais eficiência ao trabalho de vocês, mais sentido a tudo o que fazem e uma consciência limpa que não tem preço.
RESUMO
Se você assumiu o financeiro da sua empresa e está perdido, garanta, o mais rápido possível que você possua os seguintes elementos:
1. Vontade real de fazer as coisas acontecerem;
2. Dedicação de tempo e energia que garantam a priorização de tudo o que precisa ser feito;
3. Disciplina para seguir os processos, criar métodos e melhorá-los;
4. Ética para cumprir as regras estabelecidas e tratar as pessoas com respeito;
5. Um time que também tenha as características acima, além de conhecimento técnico;
6. Um contador que entenda da sua operação, conheça do seu mercado e queira ajudar;
7. Um banco e um gerente que saibam o que você faz e possam oferecer serviços alinhados;
8. Ferramentas, como planilhas e sistemas adequadas para realizar seu trabalho;
9. Conhecimento em finanças suficiente para conversar sobre os principais indicadores;
10. Um plano de contas que traduza o modelo de negócio da sua empresa em números;
11. Um sistema de gestão do tempo e da rotina da área para saber o que e quando fazer;
12. Alguém para prestar contas e evitar o isolamento da área financeira.
Quando você garantir a presença desses 12 elementos, sua gestão financeira estará melhor que 99% das empresas do mercado. Sem exagero.
A partir desse momento, você terá duas árduas tarefas: manter essas engrenagens vivas e funcionando e evitando os maiores pesadelos e inimigos de quem trabalha no financeiro, os 7 desperdícios da produtividade no backoffice. Assunto de outro post.
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Muito bom o conteúdo